Mao Ishikawa: registros fotográficos revelam o intercâmbio sócio-cultural “lado b” entre Eua e Japão na década de 70 e 80

Entre 1975 e 1977, a fotógrafa japonesa Mao Ishikawa inicia seus registros fotográficos, que futuramente tornaria seu principal trabalho, o qual, tinha como objetivo principal retratar as intersecções pessoais, políticas e raciais em sua cidade natal — Okinawa. Ishikawa surgia como um grande nome da fotografia japonesa nesse trabalho fotográfico denominado por ela; “Red Flower, The Woman of Okinawa”, trabalho esse que foi um dos mais aclamados registros fotográficos da região de Okinawa nos anos 70 e 80. Um de seus desafios era sensibilizar as interações estéticas e sociais entre um Estados Unidos e Japão cheio de conflitos pós guerra, de uma maneira mais densa e humana. Um trabalho com caráter antropológico e cultural sintetizando um tecido social urbano extremamente novo e distante para os olhos dos espectadores ao redor do mundo.

Para atingir tal êxito, Mao Ishikawa trabalhou como atendente de um bar em estabelecimentos que atendia soldados afro-americanos a serviço do exército norte-americano, os quais, paravam em cidades como Koza e Kin Town na região de Okinawa no Japão.

Na época, os soldados ainda enfrentavam extrema discriminação nas ruas e dentro do exército, e as mulheres de Okinawa, como Ishikawa, que tinham relações com esses homens eram ridicularizadas como “pan pan” (prostitutas). Ishikawa produziu um corpo de fotografias que documentavam sua intimidade diária, e as suas amizades, os casos amorosos, as noites selvagens e o convívio íntimo compartilhado em seu círculo social.

As imagens resultantes que foram publicadas com o título de “Hot Days in Camp Hansen” (1982), são uma exploração estética e artística desafiadora franca e alegre, da liberdade, da juventude e da conexão pessoal que se resultam na intersecção de diferentes estéticas, conflitos, visões, amores através das interações sociais entre japoneses e afro-norte americanos.

É crucial observar que seu trabalho muitas vezes é resultado de sua busca pura por essa interação entre diferentes etnias. Especialmente para este projeto em particular, o envolvimento de Ishikawa com o assunto foi enorme; ela trabalhou como garçonete em bares junto com as outras mulheres e teve relacionamentos com soldados que conheceu lá durante o total de dois anos (75–77). Assim, seu envolvimento pessoal, através de uma etnografia por observação participativa fez com que ela capturasse os eventos e as cenas reais sem teorizar ou romantizar seus registros.

O trabalho intitulado por Mao Ishikawa; “Red Flower, The Women of Okinawa”, é a primeira monografia dos Estados Unidos feita pela fotógrafa natural de Okinawa. Red Flower consiste no total de 80 fotografias em preto e branco que datam de 1975 a 1977 nas cidades de Koza e Kin, Okinawa, no livro entitulado “Hot Days in Camp Hansen”, de A-man Shuppan, publicado em 1982, mas também inclui trabalhos inéditos de Ishikawa do mesmo período. Red Flower exibe a celebração de Ishikawa da vida corajosa e honesta das mulheres que ela conheceu e fez amizade enquanto trabalhava em bares que serviam militares, numa época em que as tensões sociais e políticas entre os EUA e o Japão estavam em alerta máximo.

Foi um período libertador para grande parte da juventude da ilha, graças à inesperada ocupação da região pelos norte-americanos. Os recém-chegados trouxeram não apenas armas e revólveres, mas um gostinho de como seria a vida caso os moradores vivessem sem se conformar com seu ambiente cultural.

Embora escolher viver livremente possa parecer um passo fácil, não foi. Na época, os residentes davam muito valor ao grupo, e não ao indivíduo, como grande parte do Japão. Manter o status quo era essencial para essa mentalidade; a crença era que nada deveria mudar e todos deveriam saber seu lugar. Estava enraizado nas camadas da sociedade conservadora japonesa.

No entanto, é da natureza humana desejar a liberdade e procurar uma maneira de expressar sua individualidade. Assim, quando a ocupação começou, muitos dos moradores mais jovens seguiram os militares, buscando interações sociais e querendo saber mais sobre sua cultura. As lições que aprenderam revelaram sua natureza dócil e amorosa; muitas das vezes ao contrário do soldado corajoso e feroz que afloravam em suas camadas externas, muitas vezes concebida também por um olhar da própria sociedade.

“O que há de errado em amar um homem preto! O que há de errado em trabalhar em um bar preto! O que há de errado em celebrar nossa liberdade! O que há de errado em desfrutar do sexo!”, Mao Ishikawa.

A região de Okinawa tem sido um dos assuntos mais populares na história da fotografia japonesa, muito por conta dos seus contrastes e conflitos sociais, sendo objeto de estudo de sociólogos e antropólogos, e também atraído por muitos mestres da fotografia japonesa, como Tomatsu Shomei, Daido Moriyama, Nobuyoshi Araki e Keizo Kitajima. Em Red Flower, Ishikawa revela seu documentário pessoal de uma honestidade e com toda a sinceridade, enquanto mantém o distanciamento suficiente do assunto para ser capaz de capturar as cenas perfeitas através de seus olhos penetrantes. Um trabalho sensível e poético entre distantes povos que encontraram na liberdade o seu elo em comum.

“Vamos viver livres, fazer o que quisermos e confiar em nós mesmos!” — Mao Ishikawa